Um dos trabalhos mais importantes em economia no século XX
foi, com certeza, do economista neozelandês A.W.Phillips (1958), que originou a
chamada curva de Phillips. Este autor encontrou, através de métodos
estatísticos e utilizando dados que cobriam mais de cem anos da economia inglesa,
uma relação negativa entre a variação dos salários nominais e a taxa de
desemprego. Muitos trabalhos posteriores trataram de lidar com as
fundamentações teóricas dessa relação.
Essa relação também pode ser
expressa em termos de inflação vs desemprego, o que suscitou um dos
maiores debates dentro da macroeconomia, que gira em torno do trade-off de
curto prazo entre essas duas variáveis. Este debate é importantíssimo,
principalmente se tratando de política econômica, pois os resultados da curva
de Phillips indicam que para se combater a inflação, as autoridades monetárias
necessitam sacrificar o nível de emprego.
Ao longo do desenvolvimento do debate em torno deste
assunto, novas formulações para a relação entre inflação e desemprego foram
propostas. A maior contribuição nesse aspecto, foi a incorporação de um termo na
equação da curva de Phillips que representa o nível de preços esperado, ou dito
de outra forma, um termo que representa as expectativas dos agentes em relação
à inflação futura. Os mecanismos nos quais as expectativas são formadas também
foram tema de discussão:
(I)
Expectativas
adaptativas: os agentes corrigem suas expectativas em relação ao valor
esperado de uma variável de acordo com os erros que cometeram no passado;
(II)
Expectativas
racionais: os agentes fazem uso de todo o conjunto de informações
disponíveis, tanto do passado quanto do presente e o valor esperado de uma
variável sempre coincide com seu verdadeiro valor, a não ser quando ocorrem
choques aleatórios que não podem ser previstos;
Então, o formato da curva de
Phillips que é utilizada para fazermos a análise da relação entre inflação e
desemprego é da seguinte forma:
De acordo com essa
equação podemos perceber ao menos 3
causas para a inflação:
(i)
Ela existe simplesmente porque as pessoas
acreditam que haverá inflação – inflação
provocada pelas expectativas;
(ii)
Porque a taxa de desemprego se situa abaixo
do seu nível natural, ou seja, o produto supera o potencial levando a elevações
de preços, correspondendo à chamada inflação
de demanda;
(iii)
O elemento aleatório na equação capta
choques que podem ocorrer na economia, tal como um choque de oferta que
acarreta em aumento dos preços de matérias-primas, pressionado a inflação – inflação de custos;
A inflação causada pelas expectativas, ou seja, pelo simples fato dos
indivíduos acreditarem que haverá inflação, foi visivelmente a maior causa para
os resultados em termos de inflação no ano de 2002. A incerteza na economia
causada pela possível eleição de Lula, principalmente pelo seu viés
político-ideológico que mudaria os rumos da política econômica que havia sendo
trabalhada no governo de Fernando Henrique Cardoso, levou os indivíduos a
acreditarem que haveria inflação e com isso, a anteciparam.
A inflação de demanda, que é provocada quando o produto está acima do
seu potencial, significa que há um excesso de demanda agregada que é refletido pela
elevação do nível geral de preços. No Brasil, houve o que se chama de descoordenação
de política econômica. Ao mesmo tempo em que o Banco Central elevava a taxa de
juros básica da economia (SELIC) para tentar fazer com que a inflação
convergisse para o centro da meta, o governo promovia políticas de incentivo ao
consumo , seja por meio da elevação da renda disponível com a redução de
impostos, seja com o incentivo ao crédito. Como sabemos que o consumo das
famílias é componente da demanda agregada, a elevação do consumo, ceteris paribus, leva ao aumento da
demanda agregada que provoca a chamada inflação de demanda.
A inflação de custos, é provocada quando por conta da ocorrência de
um choque aleatório na economia, os fatores de produção encarecem e se refletem
em elevação do nível geral de preços. O grande exemplo da inflação de custos
provocada na economia mundial se relaciona diretamente com os dois grandes
choques do petróleo na década de 70. Os países da OPEP decidiram por restringir
a oferta mundial de petróleo (choque de oferta), o que acabou por encarecer
essa commodity. Por conta de ser uma matéria-prima utilizada na produção de
muitos bens, o nível geral de preços sofreu uma elevação porque ficou mais caro
produzir esses bens.
Na semana passada vivenciamos
a maior desvalorização nominal do real frente ao dólar dos últimos dez anos,
alcançando o nível de R$ 2,90 por dólar. As indústrias já trabalham com uma
taxa de câmbio (real/dólar) média de R$ 3,00 para o ano de 2015. Esse
comportamento da taxa de câmbio pode provocar uma inflação de custos, simplesmente porque as indústrias que importam
bens de capital e produzem bens comercializados no Brasil, repassam o maior
custo com os fatores de produção para o preço final do produto.
Em uma situação especial
em que a inflação esperada seja zero e que não ocorram choques de oferta, a
única explicação para a inflação passa a ser o nível de emprego. Pela relação
sugerida pela curva de Phillips, quanto maior a taxa de desemprego, menor é a
inflação.
Como ilustração dessa
relação, utilizaremos dados da economia brasileira e faremos uma correlação
cruzada entre as duas variáveis. A variável utilizada como proxy para a
inflação foi o IPCA (IBGE) e a variável utilizada como proxy para a taxa de
desemprego foi a PME (IBGE), ambas com início em janeiro de 2012 e término em
dezembro de 2014. Para o cálculo das correlações cíclicas entre as variáveis,
trabalharemos somente com os ciclos das duas séries e para isso, fizemos uso do
Filtro HP.
Utilizando a função ccf
do R, podemos encontrar a correlação cruzada com 3 defasagens, isto é, a
correlação cruzada entre as variáveis em 3 períodos para trás e 3 períodos para
frente.
Variável
|
t-3
|
t-2
|
t-1
|
t
|
t+1
|
t+2
|
t+3
|
Inflação
|
0,119
|
0,194
|
0,462
|
1,000
|
0,462
|
0,194
|
0,119
|
Desemprego
|
0,147
|
0,050
|
-0,239
|
-0,537
|
-0,486
|
-0,509
|
-0,477
|
O índice temporal,
representando por t, significa período atual, que no nosso caso é dado em
meses. Com isso, t-1 denota mês anterior, t+1 denota mês posterior e assim
sucessivamente.
A correlação é uma
medida de associação entre duas variáveis X e Y. O coeficiente de correlação,
como também é chamado, satisfaz à seguinte condição:
Onde quando mais
próximo de 1 (ou -1) o coeficiente de correlação estiver, mais forte é a
associação linear positiva (ou negativa) entre as duas variáveis.
Com isso em mente,
podemos retirar algumas informações importantes da tabela acima.
A primeira delas é de
que a correlação contemporânea, isto é, no momento t do tempo, entre inflação e
desemprego é de -0,537. Isso significa que a relação negativa entre as duas
variáveis, proposta pela curva de Phillips, se confirma. Além disso, essa
associação de -0,537 significa, grosso modo, que aproximadamente 53,7% da
inflação é explicada contemporaneamente pela taxa de desemprego.
Se o nosso objetivo é
antecipar a inflação no período t com a informação que temos sobre a taxa de
desemprego no período t-1, podemos olhar para a correlação cruzada das
variáveis no período t-1, que é de -0,239. Grosso modo também, significa que
aproximadamente 23,9% da inflação no período t é explicada pela taxa de
desemprego no período t-1 (defasada em um período no tempo).
A função ccf do R
também nos fornece os gráficos das correlações cruzadas e seus respectivos
intervalos de confiança (representados pelas linhas pontilhadas em azul).
Fonte: IBGE. Elaboração própria. |
Fonte: IBGE. Elaboração própria. |
Essa análise das correlações cruzadas se
constitui em um primeiro passo para o estudo empírico dos determinantes
exógenos da inflação. Os resultados que obtivemos saíram de acordo com o
sugerido pela teoria econômica, qual seja: a existência do trade-off entre
inflação e desemprego, ao menos no curto-prazo.
*Graduando em Economia-UFF
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