24 de fev. de 2015

Para além do trade-off entre inflação e desemprego

Por Matheus Rabelo*

Um dos trabalhos mais importantes em economia no século XX foi, com certeza, do economista neozelandês A.W.Phillips (1958), que originou a chamada curva de Phillips. Este autor encontrou, através de métodos estatísticos e utilizando dados que cobriam mais de cem anos da economia inglesa, uma relação negativa entre a variação dos salários nominais e a taxa de desemprego. Muitos trabalhos posteriores trataram de lidar com as fundamentações teóricas dessa relação.


Essa relação também pode ser  expressa em termos de inflação vs desemprego, o que suscitou um dos maiores debates dentro da macroeconomia, que gira em torno do trade-off de curto prazo entre essas duas variáveis. Este debate é importantíssimo, principalmente se tratando de política econômica, pois os resultados da curva de Phillips indicam que para se combater a inflação, as autoridades monetárias necessitam sacrificar o nível de emprego.


Ao longo do desenvolvimento do debate em torno deste assunto, novas formulações para a relação entre inflação e desemprego foram propostas. A maior contribuição nesse aspecto, foi a incorporação de um termo na equação da curva de Phillips que representa o nível de preços esperado, ou dito de outra forma, um termo que representa as expectativas dos agentes em relação à inflação futura. Os mecanismos nos quais as expectativas são formadas também foram tema de discussão:

(I)                 Expectativas adaptativas: os agentes corrigem suas expectativas em relação ao valor esperado de uma variável de acordo com os erros que cometeram no passado;

(II)               Expectativas racionais: os agentes fazem uso de todo o conjunto de informações disponíveis, tanto do passado quanto do presente e o valor esperado de uma variável sempre coincide com seu verdadeiro valor, a não ser quando ocorrem choques aleatórios que não podem ser previstos;

Então, o formato da curva de Phillips que é utilizada para fazermos a análise da relação entre inflação e desemprego é da seguinte forma:















De acordo com essa equação podemos perceber ao menos 3 causas para a inflação:


(i)                  Ela existe simplesmente porque as pessoas acreditam que haverá inflação – inflação provocada pelas expectativas;

(ii)                Porque a taxa de desemprego se situa abaixo do seu nível natural, ou seja, o produto supera o potencial levando a elevações de preços, correspondendo à chamada inflação de demanda;

(iii)               O elemento aleatório na equação capta choques que podem ocorrer na economia, tal como um choque de oferta que acarreta em aumento dos preços de matérias-primas, pressionado a inflação – inflação de custos;


A inflação causada pelas expectativas, ou seja, pelo simples fato dos indivíduos acreditarem que haverá inflação, foi visivelmente a maior causa para os resultados em termos de inflação no ano de 2002. A incerteza na economia causada pela possível eleição de Lula, principalmente pelo seu viés político-ideológico que mudaria os rumos da política econômica que havia sendo trabalhada no governo de Fernando Henrique Cardoso, levou os indivíduos a acreditarem que haveria inflação e com isso, a anteciparam.


A inflação de demanda, que é provocada quando o produto está acima do seu potencial, significa que há um excesso de demanda agregada que é refletido pela elevação do nível geral de preços. No Brasil, houve o que se chama de descoordenação de política econômica. Ao mesmo tempo em que o Banco Central elevava a taxa de juros básica da economia (SELIC) para tentar fazer com que a inflação convergisse para o centro da meta, o governo promovia políticas de incentivo ao consumo , seja por meio da elevação da renda disponível com a redução de impostos, seja com o incentivo ao crédito. Como sabemos que o consumo das famílias é componente da demanda agregada, a elevação do consumo, ceteris paribus, leva ao aumento da demanda agregada que provoca a chamada inflação de demanda.


A inflação de custos, é provocada quando por conta da ocorrência de um choque aleatório na economia, os fatores de produção encarecem e se refletem em elevação do nível geral de preços. O grande exemplo da inflação de custos provocada na economia mundial se relaciona diretamente com os dois grandes choques do petróleo na década de 70. Os países da OPEP decidiram por restringir a oferta mundial de petróleo (choque de oferta), o que acabou por encarecer essa commodity. Por conta de ser uma matéria-prima utilizada na produção de muitos bens, o nível geral de preços sofreu uma elevação porque ficou mais caro produzir esses bens.


Na semana passada vivenciamos a maior desvalorização nominal do real frente ao dólar dos últimos dez anos, alcançando o nível de R$ 2,90 por dólar. As indústrias já trabalham com uma taxa de câmbio (real/dólar) média de R$ 3,00 para o ano de 2015. Esse comportamento da taxa de câmbio pode provocar uma inflação de custos, simplesmente porque as indústrias que importam bens de capital e produzem bens comercializados no Brasil, repassam o maior custo com os fatores de produção para o preço final do produto.


Em uma situação especial em que a inflação esperada seja zero e que não ocorram choques de oferta, a única explicação para a inflação passa a ser o nível de emprego. Pela relação sugerida pela curva de Phillips, quanto maior a taxa de desemprego, menor é a inflação.


Como ilustração dessa relação, utilizaremos dados da economia brasileira e faremos uma correlação cruzada entre as duas variáveis. A variável utilizada como proxy para a inflação foi o IPCA (IBGE) e a variável utilizada como proxy para a taxa de desemprego foi a PME (IBGE), ambas com início em janeiro de 2012 e término em dezembro de 2014. Para o cálculo das correlações cíclicas entre as variáveis, trabalharemos somente com os ciclos das duas séries e para isso, fizemos uso do Filtro HP.


Utilizando a função ccf do R, podemos encontrar a correlação cruzada com 3 defasagens, isto é, a correlação cruzada entre as variáveis em 3 períodos para trás e 3 períodos para frente.

Variável
t-3
t-2
t-1
t
t+1
t+2
t+3
Inflação
0,119
0,194
0,462
1,000
0,462
0,194
0,119
Desemprego
0,147
0,050
-0,239
-0,537
-0,486
-0,509
-0,477

O índice temporal, representando por t, significa período atual, que no nosso caso é dado em meses. Com isso, t-1 denota mês anterior, t+1 denota mês posterior e assim sucessivamente.


A correlação é uma medida de associação entre duas variáveis X e Y. O coeficiente de correlação, como também é chamado, satisfaz à seguinte condição:



Onde quando mais próximo de 1 (ou -1) o coeficiente de correlação estiver, mais forte é a associação linear positiva (ou negativa) entre as duas variáveis.


Com isso em mente, podemos retirar algumas informações importantes da tabela acima.
A primeira delas é de que a correlação contemporânea, isto é, no momento t do tempo, entre inflação e desemprego é de -0,537. Isso significa que a relação negativa entre as duas variáveis, proposta pela curva de Phillips, se confirma. Além disso, essa associação de -0,537 significa, grosso modo, que aproximadamente 53,7% da inflação é explicada contemporaneamente pela taxa de desemprego.


Se o nosso objetivo é antecipar a inflação no período t com a informação que temos sobre a taxa de desemprego no período t-1, podemos olhar para a correlação cruzada das variáveis no período t-1, que é de -0,239. Grosso modo também, significa que aproximadamente 23,9% da inflação no período t é explicada pela taxa de desemprego no período t-1 (defasada em um período no tempo).


A função ccf do R também nos fornece os gráficos das correlações cruzadas e seus respectivos intervalos de confiança (representados pelas linhas pontilhadas em azul).

Fonte: IBGE. Elaboração própria.
Fonte: IBGE. Elaboração própria.



Essa análise das correlações cruzadas se constitui em um primeiro passo para o estudo empírico dos determinantes exógenos da inflação. Os resultados que obtivemos saíram de acordo com o sugerido pela teoria econômica, qual seja: a existência do trade-off entre inflação e desemprego, ao menos no curto-prazo.



*Graduando em Economia-UFF


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